Suspenses clichês e maçantes é algo que temos visto muito nos últimos anos. Pouca originalidade, repetição de enredos, plot twists e jump scares usados de foram apelativa são algumas das características que observamos com frequência em filmes do gênero. Entretanto, lançado em 2019 e chegando ao Brasil em 2021, À Espreita do Mal aparece para quebrar todos esses paradigmas e provar que ainda podemos acreditar na produção de boas obras de horror.
O filme, dirigido por Adam Randall e escrito astutamente por Devon Graye, é ambientado em uma cidade pequena onde vêm ocorrendo desaparecimentos de jovens meninos. Greg (Jon Tenney), o detetive responsável pelo caso, é um dos personagens do núcleo que acompanhamos: uma família tradicional composta por um casal e um filho adolescente (Judah Lewis), que vivem em uma casa enorme, digna do sonho americano. Percebemos, porém, ruídos nas relações apresentadas, devido a um prévio caso extraconjugal da mãe (Helen Hunt), indicado desde o início através da arrogância do filho e do distanciamento do marido.
Simultaneamente aos crimes que ocorrem na cidade, coisas estranhas começam a acontecer na casa da família, dando indícios de uma possível presença sobrenatural, como o desaparecimento de objetos, sons de passos, televisão ligando por vontade própria e até mesmo o clássico da coberta sendo puxada à noite.
Até aí, nada novo sob o sol. Isso é, sem dúvida, uma das coisas mais interessantes do longa: ainda que intrigante e misterioso, passa o primeiro ato inteiro nos fazendo acreditar que é apenas mais um filme de suspense clichê, o que pode ser considerado um desperdício de tempo por alguns, mas que na verdade foi bastante inteligente, usando um ritmo ágil, para que de forma inesperada chegasse ao segundo ato, abalando completamente qualquer expectativa do público.
A partir daqui, contém spoilers.
Com elementos do found footage, o corte brusco que inicia o segundo ato é como uma sacudida no espectador, dizendo a ele: "acorde, veja, preste atenção!".
O roteiro triunfa ao apresentar uma estrutura clássica dividida em três atos, mas que a cada virada nos surpreende mais e mais. Os temas por trás da trama, como o sequestro de crianças e os problemas das relações familiares, passam a ser cada vez menos importantes, como se fossem cortinas que, ao serem abertas, desvendam a real atração: o tema da vingança.
Nesse sentido, o roteiro acaba não se aprofundando nas camadas que apresenta em sua primeira parte, sendo deixadas de lado e sem resolução. Ao mesmo tempo, é também neste ponto que o longa faz jus ao seu título original, "I See You" (eu te vejo). É justamente sobre olhar mais atentamente, pois o mais importante aqui não são essas camadas iniciais, onde ele nos engana ao apresentar estereótipos e referências do terror.
À Espreita do Mal deseja focar em sua virada, quando nos revela o verdadeiro protagonista, o jovem o Alec, interpretado de forma admirável por Owen Tegue (It - A Coisa, 2017). Este sim tem profundidade, além de forte motivação, mesmo que talvez a sua vingança seja um pouco fantástica demais, como em momentos onde o menino acaba fazendo estardalhaço na casa, mas nunca é pego, ou o fato de que, em uma briga física com um policial treinado, ele consegue ganhar.
Assistir ao filme pela segunda vez é ainda mais interessante, uma experiência completamente nova. Na cena inicial, a câmera que tudo vê começa com um plano geral e vai adentrando cada vez mais na cidade, focando primeiramente no trailer do sorveteiro, como se ele fosse o assunto principal, depois se concentrando na menina com o sorvete para, enfim, focar no que realmente importa: o menino na bicicleta que está prestes a ser sequestrado. Este jogo de câmera é quase como um breve resumo de tudo que veremos.
De forma despretensiosa, À Espreita do Mal nos prende do início ao fim, entregando um excelente suspense e uma das melhores estreias do ano.
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